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Preservação, conservação e renda: programa busca uma Alagoas mais verde transformando vidas

  • Foto do escritor: laboratório de webjornalismo ufal
    laboratório de webjornalismo ufal
  • 29 de set.
  • 7 min de leitura

Por Pedro Acioli


“Meu maior prazer é ver tudo florido, uma biodiversidade de plantas e animais e fazer o que gosto”. Esta é uma afirmação de Angela Maria, agricultora da cidade de Delmiro Gouveia, no Sertão alagoano. Com uma vida dedicada ao campo e ao cultivo, sua relação com a terra se transformou em fonte de renda e em contribuição para uma Alagoas mais verde.


Criada na zona rural, Angela cresceu sem a oportunidade de estudar, já que a prioridade da família era o sustento vindo do campo. Ao lado dos pais, aprendeu cedo o valor do trabalho rural e descobriu no cultivo de espécies nativas uma vocação, que se tornou parte essencial de sua vida e de seu vínculo com o meio ambiente que hoje, aos 48 anos, lhe rende frutos.


No entanto, ela e seus antepassados enfrentaram desafios no trabalho da roça. Sem o conhecimento adequado, o pai costumava queimar as folhas e a plantar repetidamente o mesmo tipo de espécie no terreno, o que acabou empobrecendo o solo, o tornando carente de nutrientes.


Em 2025, os obstáculos ainda continuam, como é o caso da severa falta de chuvas na região, que atrapalham a biodiversidade no local. Em agosto deste ano, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), por meio da Defesa Civil Nacional, chegou a declarar situação de emergência em Delmiro Gouveia devido a estiagem.


Mesmo diante das adversidades, a alagoana não desistiu. Hoje, mantém um plantio agroecológico, combinando espécies adaptadas ao calor e à escassez de água da caatinga com plantas de outros biomas. Entre as variedades cultivadas, se destacam o pau-brasil, a gliricidia, o ipê rosa, a ‘pata de vaca’, o uruçuí e o araçá goiaba.


“Vou plantar mais. Quero contribuir com a natureza. [...] É importante preservar porque tem plantas nativas que servem de alimento para os animais. Além das folhas que são nutrientes para o solo, ajudam na fauna e flora”, explica.

Angela durante o trabalho campo. Foto: Arquivo pessoal
Angela durante o trabalho campo. Foto: Arquivo pessoal

Para alcançar resultados ainda melhores, a agricultora revela que enfrenta limitações de recursos, o que dificulta, por exemplo, a implementação de uma estrutura para captar água do Canal do Sertão. “Eu só espero por Deus, quando vai mandar chuva. Assim, só planto anualmente”.


Pagamento por Serviço Ambiental


Diante dos desafios enfrentados por pessoas como Angela, que vivem do campo e trabalham pela conservação dos recursos naturais, o Governo de Alagoas, por meio do Instituto de Meio Ambiente (IMA) e em parceria com a Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), lançou em 2023 o programa Pagamento por Serviço Ambiental (PSA).


A iniciativa permite que os agricultores inscritos nos editais recebam uma compensação financeira e consigam ampliar práticas dedicadas ao meio ambiente. “O IMA me abriu uma oportunidade de trabalhar para melhor. Diferente de outros projetos [que já participei] que deram resultado negativo”, descreve Angela.


Os valores fornecidos variam de R$5 mil a R$30 mil, no edital de Agroecologia; e de R$20 mil a R$80 mil, no edital de RPPNs. A quantia está dividida em quatro parcelas semestrais, conforme critérios técnicos previamente definidos.


A política pública implementada tem como objetivo incentivar iniciativas que promovam a manutenção, a recuperação e a melhoria dos serviços ecossistêmicos, com atenção especial à captura de carbono, à redução das emissões de gases de efeito estufa e à conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e do solo.


Para garantir a sustentabilidade e atender aos critérios dos editais, os agricultores precisam adotar práticas agroecológicas, que respeitam o equilíbrio do solo, da água e da biodiversidade. Além disso, é necessário elaborar um Plano de Ação, detalhando as melhorias que poderão ser implementadas ao longo da vigência do programa.


A assessora ambiental de clima do IMA, Gabriela Cota, conta que o PSA é uma iniciativa internacional, com exemplos de sucesso como a Costa Rica, considerada referência em preservação da biodiversidade. No Brasil, o programa já é consolidado em estados do Sul e Sudeste, e Alagoas buscou inspiração nessas experiências, adaptando o projeto à realidade do estado.


“A gente buscou criar mecanismos que pudessem trazer uma identificação territorial para Alagoas. No nosso decreto estadual, conseguimos deixar assertivo essa necessidade de criar editais específicos para a realidade de Alagoas. A gente contemplou isso nos editais, priorizando pequenos proprietários de agricultoras familiares e povos de comunidades tradicionais”, relata Gabriela.


Assessora ambiental de clima do IMA, Gabriela Cota / Foto: Pedro Acioli
Assessora ambiental de clima do IMA, Gabriela Cota / Foto: Pedro Acioli

Desafios do programa


Atualmente, o programa acompanha 83 inscritos assistidos pelo governo, que receberam a primeira parcela do pagamento no início do segundo semestre de 2025. Porém, ainda há desafios a serem superados para aumentar a eficácia dos resultados e o apoio aos beneficiários.


Segundo a assessora de clima do IMA, a dificuldade de realizar visitas frequentes às regiões torna complicado identificar os problemas que precisam ser enfrentados. Além disso, os agricultores ainda lidam com os impactos das mudanças climáticas.


“A gente só consegue visitar duas vezes ao ano. Isso muitas vezes não nos faz entender as dificuldades que estão passando no dia a dia. Nossa principal dificuldade é ser realmente presente como eles merecem”.


Apesar dos desafios, o programa já criou estratégias para que as equipes técnicas possam apoiar os subsidiários de forma mais eficiente, como realizar encontros para o compartilhamento de experiências entre eles.


“A gente está planejando para fevereiro uma possibilidade de troca de experiência, para aquelas pessoas que estão um pouco mais avançadas em termos de atividades sustentáveis possam falar suas experiências para aqueles que se deparam com alguma dificuldade a mais”, esclareceu Cota.


Cultivo de espécies em extinção


Outro trabalho importante também realizado pelos agricultores ecológicos é o plantio de espécies ameaçadas de extinção. Um desses casos acontece no assentamento Dom Hélder Câmara, em Murici, no interior de Alagoas, local que também virou foco do IMA para ajudar pequenos agricultores.

Uma das líderes da região é Maria Rita Rosa dos Santos, conhecida como Irmã Rita. Integrante do Movimento de Mulheres Camponesas, ela desenvolve um trabalho agroflorestal na região, voltado à recuperação ambiental e à reintrodução de espécies em risco de desaparecimento.


Como é o caso da palmeira juçara, espécie nativa da Mata Atlântica que produz o palmito, mas vem sofrendo com a extração ilegal, prática que leva à morte da planta, e com o desmatamento do bioma. No lote de Irmã Rita, já em 2021 havia 14 pés da palmeira, evidenciando que sua preocupação com a preservação vem de longa data.


Maria Rita durante trabalhos no assentamento em Murici / Foto: Reprodução
Maria Rita durante trabalhos no assentamento em Murici / Foto: Reprodução

Força feminina


Histórias como a de Angela e Rita são exemplos vivos de como a participação feminina também é um destaque do trabalho rural em Alagoas. Reconhecendo essa importância, o programa criou a cota ‘Mulheres da Terra’, destinada à camponesas que atendessem aos critérios estabelecidos, fortalecendo o protagonismo das mulheres na conservação ambiental.


Os idealizadores do projeto perceberam que, embora o número de mulheres camponesas em Alagoas seja expressivo, muitas vezes não são elas que recebem os recursos destinados, mas sim os patriarcas das famílias. Diante disso, foi criada a ação afirmativa destinada ao público feminino.


“O meio ambiente é nossa casa, onde o ar puro nos alegra e a água nos alimenta. Isto só se encontra nos assentamentos de reforma agrária. Com feminismo existe agroecologia”, escreveu Rita.


Reservas particulares


Não são apenas os agricultores ecológicos que se beneficiam do PSA. Proprietários das chamadas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), unidades de conservação de domínio privado registradas com caráter perpétuo na matrícula do imóvel, também podem participar.


Essas reservas têm como objetivo garantir a diversidade biológica, e os proprietários podem receber uma compensação financeira para auxiliar na preservação da área.


Na área, devem ser tomadas medidas apenas de preservação, ou seja, manter o ambiente ou recurso totalmente intocado, sem qualquer intervenção humana, protegendo suas características naturais originais. Diferentemente de conservação, que implica o uso sustentável desses recursos naturais.


RPPN Tobogã localizada na capital alagoana / Foto: Divulgação
RPPN Tobogã localizada na capital alagoana / Foto: Divulgação

“Podem ser feitas atitudes de conservação, mas em áreas do imóvel que não foram transformadas em reserva. O proprietário pode fazer agricultura, benfeitorias de casas, um curral em áreas ao lado. Porém, a área é para preservação, não se pode fazer uma intervenção agrícola”, explica Gabriela Cota.


De acordo com o IMA, Alagoas está na oitava posição no ranking nacional em número de unidades, totalizando 81 RPPNs. Já no critério de extensão territorial, o estado fica em 12º lugar, com uma área protegida de 11.763,67 hectares. Confira o gráfico:



Das reservas localizadas em Alagoas, cerca de 87% estão situadas no bioma de Mata Atlântica. Já a Caatinga, bioma típico do Nordeste, abriga apenas cerca de 7% dessas reservas.


Para reduzir a desigualdade na concorrência, o programa criou uma cota específica para as RPPNs da Caatinga, garantindo que pelo menos metade das vagas fosse destinada a esse bioma. Segundo o IMA, o processo de inscrições contou com 39 participantes da Caatinga e 52 da Mata Atlântica, com 55% das vagas da cota Caatinga efetivamente preenchidas.


“Já existe a Lei da Mata Atlântica, órgãos muito específicos com foco na administração do bioma, e há muito mais políticas ambientais voltadas à Mata Atlântica do que para a Caatinga. Então, a gente buscou essa equidade”, conta Gabriela.


Ao todo, foram selecionadas sete reservas particulares para o projeto: Mato da Onça (Pão de Açúcar), Sítio Bica (Japaratinga), Tobogã (Maceió), Mata da Suiça II (Quebrangulo), Morro da Torre (São José da Tapera), Tocaias (Santana do Ipanema) e Vila d’Água II (Murici).


Resultados do programa


Seis meses após as primeiras vistorias realizadas pelos técnicos ambientais, os resultados no meio ambiente ainda são discretos. A principal mudança até agora tem sido a chuva, que, após a seca, faz a vegetação do semiárido e da Mata Atlântica começar a se regenerar, mostrando os primeiros sinais de recuperação.


No entanto, mudanças na vida dos pequenos agricultores já começam a surgir com a implementação de tecnologias sociais voltadas para o meio ambiente, como o saneamento básico rural, que agora chega a pessoas que antes, mesmo engajadas em ações ambientais, tinham o acesso dificultado pela falta de políticas públicas.


“Apesar de a gente não ter observado ainda mudanças paisagísticas nesses imóveis, a gente já está conseguindo observar o comprometimento deles em tomar essas medidas, que são mais rápidas de serem conduzidas como a produção de uma fossa”, ilustra a assessora ambiental.


Como se inscrever?


O edital vigente segue até o próximo ano, e até seu encerramento não haverá novas inscrições. No entanto, embora ainda não confirmado, há a expectativa de que ainda em 2026 sejam abertas inscrições para novos agricultores, com planos de ação voltados a melhorias ecológicas e à preservação do meio ambiente.


Na atual edição, o regulamento prevê um credenciamento antes da inscrição, em que os interessados devem reunir toda a documentação exigida conforme o checklist de credenciamento, baixar e preencher o modelo de declaração de experiência na prestação de serviços ambientais e consolidar todos os documentos em um único PDF.


Em seguida, é preciso abrir um requerimento de credenciamento no Portal IMA+, anexar a documentação e aguardar a análise. Após a aprovação, o solicitante receberá um e-mail com a habilitação de credenciamento no PROPSA, tornando-se apto a atuar no programa.


Após o credenciamento, é necessário verificar os editais abertos que mais se encaixem com o perfil de serviço ambiental aplicado.

 
 
 

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